terça-feira, 19 de julho de 2011

A problemática do Samba



O Samba pode ser visto como uma enorme árvore, com raízes profundas, galhos e ramificações infinitas. De origem duvidosa, esta cultura afro-brasileira tem suas raízes nas três principais civilizações que no Brasil viveram (e ainda vivem): indígena, africana e européia. Do morro ou da cidade, do maxixe ou da umbigada, o que sabemos de fato é que o samba não nasceu pronto. A sua constituição foi fruto de um conjunto de fatores históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais.
Não somente o samba não nasceu pronto como também, ao se constituir como um movimento cultural das classes menos privilegiadas, não deixou de se metamorfosear. E não poderia ser de outra maneira, visto que os fatores descritos acima não ficaram estáticos, mas pelo contrário, se desenvolveram em meio à contradição de uma sociedade tão complexa, injusta e desigual como a brasileira.
Da umbigada, da seresta, do maxixe, da mistura de cordas, com chocalhos, tambores, pandeiro (instrumento árabe), o samba nasce, cresce e passa por diversas fases, incorporando diversos elementos de dentro e de fora das fronteiras sobre o qual este país foi constituído. Dos terreiros, do choro, da batucado do Estácio, do samba de breque, de terreiro, de quadra, do samba baiano, paulista e mineiro, do afro-samba, do samba-rock, aos pagodes da esquina, esta arte não deixou de desenvolver formas autênticas de manifestação.
Aqui é importante destacar que os problemas vividos pelo samba não são novos. Mercantilização, preconceitos, negócios escusos, apropriação privada, exploração da imagem e da música por interesses externos à cultura do samba “é coisa da antiga”. Não cabe aqui mencionar os casos e exemplos destes problemas, mas apenas destacar que a constituição do samba é fruto de uma sociedade complexa e que, por isto mesmo, não apenas reproduz os problemas circunscritos neste meio mas também, e ao mesmo tempo, cria relações humanas que as superam.
São por estes motivos que a idealização de épocas passadas, de formas de manifestações artísticas e culturais em si mesmas, independentemente do contexto em que estas foram realizadas, pouco ajuda a entender o problema por que passou e passa tanto a cultura brasileira em geral, quanto o samba, especificamente. Além de não condizer com os fatos, a idealização abstrata implica numa postura anacrônica, saudosista, e negativista quanto as novas formas culturais que surgem naturalmente da própria dinâmica sócio-cultural de um país miscigenado como o Brasil.
Sim, é necessário preservar  e respeitar a cultura popular. Mas a necessidade não ´provém do fato de que nesta época a cultura era “pura” e vacinada contra as “más influências”  de dentro e de fora. É necessário preservá-la porque a sua manifestação representa uma forma de constituição originária de um povo, representa uma identidade de uma sociedade que apesar de contínuas mutações, apresenta laços solidariedade (ainda que em decadência nas últimas décadas).
No caso específico do samba, estes laços são as próprias raízes. Mas como as raízes do samba são variadas, as formas de preservá-las também o são. Somos contrários às hipóteses que afirmam que só existe um tipo de samba raiz, apenas uma forma de preservas as origens do samba ou que só existe uma forma de se fazer o verdadeiro samba autêntico. Do contrário, acreditamos que a raiz do samba está no formato rítmico e melódico, no batuque, na simplicidade harmônica e na nobreza melódica. E estas características podem ou não podem ser encontradas tanto num samba “antigo” como num samba “novo”, seja executado com repique de mão ou com repique de anel, com cavaco ou banjo.  
 Portanto, temos que olhar o passado, para entender o nosso presente o projetar o futuro que queremos para a nossa cultura popular em geral, e para o samba em particular. O passado deve ser um guia para o futuro. O samba está vivo, “agoniza, mas não morre”. Ele está mais do que presente nas centenas de escolas de samba espalhadas pelo Brasil inteiro, nas comunidades e nos projetos de samba e resgate, na periferia, nos bares e na esquina. De fato: o samba não é, o samba está sendo. E será ainda melhor. Fechamos com Paulo César Pinheiro e João Nogueira quando afirmam: E cantar, ainda vai ser bom, quando samba primeiro, não for prisioneiro deste desespero e resignação, E lá vai minha voz, espalhando então, o meu samba guerreiro, fiel mensageiro da população”

Abaixo postamos o vídeo (clipe) do grupo Social Samba Fina. Trata-se de uma regravação do samba “Lá de Angola” de João Nogueira e Geraldo Vespar. Acreditamos que este clipe é muito representativo do que dissemos acima.