sexta-feira, 13 de maio de 2011

Onde está a Liberdade? Valeu Zumbi!


 


      Antônio Cândido: O Mestre-Sala dos Sete Mares.
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Cento e vinte e três anos depois da Lei Áurea, a questão racial ainda tem suma importância. Basta olharmos ao redor para vermos a clivagem social existente entre grupos étnicos e “raciais”.
Embora o Brasil seja um país majoritariamente miscigenado, “misturado”, esta miscigenação concentrou-se primordialmente entre as classes menos abastadas, onde a partir de então, foram se constituindo - historicamente - padrões culturais e sociais típicos. No vértice da pirâmide social, não obstante, a encontramos a predominância de grupos sociais de cor branca. Somado à profunda e descarada concentração da riqueza em nossa sociedade, é possível concluir, fazendo algumas mediações, que o Brasil é uma sociedade cujo poder político e econômico é concentrada na mão de uma minoria que é composta majoritariamente por brancos, em detrimento de uma maioria que é composto majoritariamente por negros e pardos, além de mestiços (cafuzos e mamelucos).
Não é possível dizer que a questão racial no Brasil é um “mito”. Ela existe e é evidente. Se, diferentemente de outros paises - como o caso dos EUA ou no caso da África do Sul -, esta questão não aparece de maneira explícita, não havendo uma oposição racial direta entre grupos, no Brasil ela se apresenta de forma indireta, sob a forma econômica, onde a exclusão social passa a ser dada não por leis raciais, mas por leis econômicas, leis de mercado. A exclusão dos negros das universidades, das escolas de ponta, dos serviços básicos, enfim, de todos os “atrativos” de uma sociedade de consumo de massa, é um dos aspectos mais visíveis desta “questão racial”. Basta analisarmos a proporção de negros dentro das universidades em relação à proporção de negros dentro de presídios ou nas favelas, para vermos o quão gritante é a nossa clivagem sócio-racial.
 Ademais, numa sociedade subdesenvolvida como a nossa, baseada na superexploração e em elevados graus de dominação política e econômica, a questão racial não é apenas um problema de “crescimento econômico”, ou seja o problema de integração dos negros e pardos no mercado de trabalho. É um problema mais profundo. Oitenta anos de crescimento econômico - de 1930 a 1980 – não foram suficientes para eliminarmos a questão racial. Pelo contrário, é neste período que surgem as favelas, os cortiços, as grandes aglomerações urbanas, a pobreza e miséria explícita ocupando os morros e as vielas das muitas “cidades maravilhosas”.
Portanto, a questão racial é, na essência, mais profunda do que parece, é substancialmente política, que se manifesta de sob formas econômicas e ideológicas (desvalorização da cultura e imposições de padrões de beleza). A superação deste problema não se dará senão por meio da resistência, do enfrentamento político-ideológico; e a questão racial passa a estar atrelada com a própria questão democrática, nacional e social. O negro se libertará de fato quando, atrelado aos anseios do povo em geral, tomar para si as rédeas de sua história. Valeu Zumbi!



No carnaval 1988, ano do 100º aniversário da abolição da escravidão, todas as escolas de samba do Rio de Janeiro decidiram, em forma de homenagem, levar para a avenida enredos que tratassem dos negros em geral. Para muitos aquele carnaval foi um dos mais emocionantes de todos os tempos. Naquele ano, entretanto, duas escolas se destacaram: a Unidos de Vila Isabel, com o enredo “Kizomba, festas das raças”, e a Mangueira, com o enredo “100 anos de liberdade, realidade ou ilusão?”. Ambas ficaram, respectivamente em 1º e 2º lugares. Até hoje estes sambas encantam e são tocados em todos os redutos de samba. Abaixo posto o link dos vídeos deste samba.





terça-feira, 10 de maio de 2011

Como pensar a cultura nacional numa sociedade de origem colonial?





Um dos pontos polêmicos quando discutimos desenvolvimento socioeconômico refere-se aos aspectos culturais do mesmo. Este aspecto se torna mais problemático quando tratamos das especificidades da formação étnico-cultural de países periféricos, cuja formação social se deu a partir de influencias de povos tão distintos, conforme muito debatido por Darcy Ribeiro.
Outro ponto relevante nesta discussão é o caráter desta formação social. Diferentemente de outros países, de cuja formação sociocultural tem origem milenar, no caso brasileiro, a organização social e econômica estabelecida desde o período da colonização sempre esteve voltada para a satisfação de interesses externos, exógenos às necessidades da população em geral. A grande propriedade e a superexploração de caráter escravista voltada para a realização de grandes negócios mercantis impediu que se constituísse uma sociedade pautada por “nexos morais”. Estas características irão, por sua vez, se arrastar por séculos até os dias atuais, conformando uma sociedade desmembrada, injusta e ultra desigual.
Mas, contraditoriamente, é o próprio desenvolvimento quantitativo desta economia, subordinada aos limites impostos pelas ralações socioeconômicas externas, que vai criando condições objetivas para o surgimento de uma outra sociedade. Caio Prado Jr ao analisar a “linha mestra” dos acontecimentos da nossa história, dizia que o Brasil era uma espécie de sociedade “híbrida”, em transformação, de difícil definição. Para resolver este dilema, o mesmo apontava que o mesmo estaria num processo de “longa transição do Brasil Colônia de ontem para o Brasil Nação de amanhã”. Assim, para defender tal “tese”, o mesmo aponta algumas transformações qualitativas no decorrer dos fatos históricos: a) independência (ainda que formal) política; b) abolição da escravidão; c) constituição (ainda que de forma relativamente incipiente) de um mercado interno; d) constituição de um substrato social interno, em função da integração entre diversos grupos étnicos de origens diferenciados.
Mas como para Caio Prado Jr, uma Nação significa uma certa organização politica, social e econômica construída por uma sociedade, e voltada para atender às necessidades de todos os membros constituintes da mesma, o Brasil precisaria superar dois principais entraves para conseguir constituir-se de fato como Nação: a) superar a dependência externa, voltando completamente sua economia para a satisfação das necessidades de sua população; b) eliminar a profunda desigualdade social, a superexploração, que fratura a sociedade em dois grandes blocos sociais desconexos.
Para piorar o problema, com o avanço da industrialização pesada nos anos 50 e com a implementação da ditadura militar em 1964, não apenas Caio Prado, mas autores como Florestan Fernandes e Celso Furtado passam a deixar de acreditar na capacidade das classes dominantes em serem os agentes desta transformação. Par Fernandes, o golpe de 1964 teria sido a finalização da “Revolução Burguesa” brasileira, cujo caráter anti-social, anti-democrático e anti-nacional foram os elementos específicos de um tipo especifico de capitalismo: o capitalismo dependente.   
Destro destes marcos, como entender a cultura brasileira? Podemos chamá-la de cultura nacional sendo que para estes grandes autores nem somos ainda uma nação?
Trata-se de uma questão de difícil resposta, com diversas formas de encaminhamento. Primeiramente, é inegável a diversidade cultural da sociedade brasileira. É inegável também o elevado grau de miscigenação do nosso povo. Mas diferentemente de abordagens “ufanistas”, a nossa formação histórica não pode ser vista como heroica, e neste sentido, a interação cultural nesta sociedade foi muito mais contraditória do que parece, e o próprio processo de miscigenação se deu de forma coercitiva e opressiva. Do ponto de vista da diversidade cultural, o aspecto mais impressionante deste processo é que, numa sociedade cujos elementos de sua formação se originaram, em boa parte, de influências externas, as próprias formas de manifestações culturais se apropriaram de diversas características exógenas. Isto dará um caráter novo a esta sociedade que surge. É neste sentido que Darcy Ribeiro afirmará que teria surgido um novo povo, constituído no confronto e na fusão, povo este misturado, com traços sincréticos e simbólicos singulares.
Podemos, portanto, definir esta cultura particular criada e recriada no Brasil como Nacional? Caso seguirmos os três primeiros autores acima, certamente diríamos que não. No máximo diríamos que a sociedade brasileira teria criado as bases de uma cultura nacional, mas que ela não teria se desenvolvido até o seu fim, visto que teria também se fundamentada em estruturas societárias muito injustas e desiguais. Ademais, quando analisamos mais de perto estas manifestações culturais, notamos que em sua grande maioria, elas são oriundas das classes mais pobres e miseráveis da nossa sociedade. Portanto, podemos dizer que a cultura brasileira, apesar de não ser efetivamente nacional no sentido exposto anteriormente, é genuinamente popular. Assim, esta cultura pode ser vista como expressão contraditória das múltiplas relações humanas desta sociedade, que hora reproduz e hora problematiza (direta ou indiretamente) os dilemas vividos pelo nosso povo em geral.
Nos dias de hoje, contudo, esta discussão se torna ainda mais complexa. Num contexto de internacionalização econômica, social e cultural em função do processo de globalização, e com a consolidação de uma indústria cultural de massa altamente influente e ancorada pelos poderosos meios de comunicação, tanto a influencia cultural externa deixa de ter seu papel positivo (em função da imposição direta e indireta, de cima para baixo, de certos padrões de vida e de consumo), quanto a própria arte produzida internamente fica completamente submetida aos ditames mercantis da moda. Ademais, esta mesma cultura popular passa a ser apropriada por agentes que alienados dos espaços de sua manifestação, transformam o seu significado, apoiados hora por critérios “políticos” (manutenção e reprodução do poder e da desigualdade), hora por critérios econômicos.
Portanto, nos marcos atuais, a reversão neocolonial não se circunscreve a aspectos estritamente econômicos. Ela cerca e submete todas a relações humanas, inclusive as artístico-culturais. E como não serão as classes dominantes que farão a “Revolução Nacional”, a própria origem da “Cultura verdadeiramente Nacional” será a Popular, a de Resistência, que aliada às necessidades e vontades da sua população, contribuirá para o surgimento de uma nova sociedade, de uma “Nação”.

“Viva o Samba, Viva a Cultura Popular !!!!”

(Texto dedicado a alma deTomás / IE Unicamp)

Abaixo ponho um samba de João Bosco e Aldir Blanc, chamado “Nação”, gravado por Clara Nunes.

domingo, 1 de maio de 2011

Por uma educação libertadora na forma e no conteúdo: uma homenagem a Paulo Freire



Em tempos de hegemonia das teorias do “capital humano”, onde a educação é vista apenas pela ótica quantitativista (numero de alunos por sala, índice de aprovação, numero de artigos publicados e etc) os aspectos qualitativos do processo socioeducativo vão se esvaindo, e a educação em si mesmo vai se tornando uma grande indústria de produção e reprodução em série de conhecimentos desconexos que deixam de refletir (direta e indiretamente) os problemas apresentados pela realidade. Assim, as discussões programáticas passam girar em torno apenas daquilo que se ensina e não como e de que forma se ensina. 
O maior educador do Brasil, Paulo Freire, em vida, foi um dos que mais discutiu estas questões. Consciente das relações de dominação e opressão em nossa sociedade, Paulo Freire, propunha uma educação que não reproduzisse tais relações, e sim a superasse, constituindo uma verdadeira educação libertadora, catalizadora de uma ação e reflexão, que possibilitasse “armar” os oprimidos no seu próprio processo de emancipação.
É neste movimento que ele vai criticar a educação “bancária”, a educação narrativa, unidirecional, que “enche” os alunos (fragmentos da realidade) de conteúdos desconexos (como arquivos segmentados) e vazios de elementos concretos. A ênfase no “o mundo é” teria como pressuposto uma realidade imutável, cujo saber em si, por sua vez, seria antes uma doação, já que supõe um ser que sabe e um ser que não sabe. Há por de trás desta análise uma absolutização da ignorância, que o educador aliena ao educando. Como consequência, este tipo de educação pressupõe a existência de apenas um sujeito (educador) e de um objeto (educandos), onde a realidade é posta como algo petrificada, parada e bem comportada, faltando uma visão de totalidade do mundo, cuja absorção dos conteúdos passa a se dar por meio de memorizações mecânicas. Os educandos se tornam vasilhas ou gavetas onde conhecimentos externos são depositados ou arquivados. Obviamente, para o mesmo autor, este tipo de educação serviria antes aos opressores do que aos oprimidos, visto que o educando é impedido de ser sujeito, ao anular seu poder criador. Assim, os oprimidos não conseguiriam seguir sua vocação histórica de ser mais.
É nestes marcos, portanto, que o Paulo Freire vai abordar a necessidade de se construir uma outra educação, uma educação problematizadora, partindo de outras premissas e princípios. Esta “nova” educação partiria da visão dos homens como corpos conscientes, cuja mesma é intencionada ao mundo e, portanto, não existe consciência separada do homem e nem separada do mundo. Logo, o saber não é algo alheio à realidade e a outros homens, mas antes é fruto da interação entre homens e o mesmo com o mundo. O conhecimento é coletivo, e portanto “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre sí, em comunhão, mediatizados pelo mundo”. Assim, a educação se dá, não na transferência, mas no diálogo, ondo a problematização do objeto do conhecimento (qualquer que seja) será a grande mediatizadora dos sujeitos cognoscentes (educador e educando). Ao contrário da educação bancária, na qual o objeto passível de conhecimento é o fim do ato cognoscente do sujeito, na educação problematizadora o objeto cognoscível é o meio para entrar nos sujeitos cognoscíveis. Ou seja, a reflexão sobre a realidade, sobre o mundo, deve voltar-se para a reflexão sobre si já que não existe separação entre sujeito e objeto (entre o homem e o mundo). Na medida em que vamos conhecendo o mundo (objeto), vamos aumentando o conhecimento sobre nós mesmos e sobre os outros (sujeitos). Esta educação responderia, nestes marcos, à consciência da consciência: conhecer a si não é nada mais do que conhecer a sua história, o seu posicionamento no mundo.
Consequentemente, o educador ao perceber a complexidade do mundo e que o mesmo está em constante mutação, está em constante aprendizado, não alienando sua ignorância. O educador se torna um educador-educando. Ademais, a incidência da reflexão da realidade entre os educadores e os educandos através do diálogo permite ao educador-educando refazer constantemente o seu conhecimento por meio do próprio conhecimento do educando. Logo, o educando passa a ser um educando-educador.
Nesta nova relação os educandos (agora educandos-educadores) são chamados a conhecer, e não a memorizar; a imersão da consciência na realidade tem como resultado uma emersão critica da realidade; a própria problematização da realidade leva aos agentes deste processo a integrarem as partes do conhecimento (por meio das suas interconexões) de modo a formar uma visão de totalidade da realidade. A imersão e a reflexão crítica dos problemas faz com que o conhecimento supere o nível da “doxa” (ingenuidade, senso comum), e siga o nível do “logos” (“razão”).
Esta seria, assim, uma educação como pratica libertadora, já que veria os homens como seres históricos, inconclusos, conscientes da sua historicidade e inconclusão, na busca de ser mais. A educação passa a ser um “quefazer” permanente, já que o mundo não é, está sendo!

“Esta busca do ser mais, porém, não pode realizar-se no isolamento, no individualismo, mas na comunhão, na solidariedade dos existires, daí que seja impossível dar-se nas relações antagônicas entre opressores e oprimidos. Ninguém pode ser, autenticamente, proibindo que os outros sejam, esta é uma exigência radical. O ser mais que se busque no individualismo conduz ao ter mais egoísta, forma de ser menos. De desumanização. Não que não seja fundamental – repitamos – ter para ser. Precisamente porque é, não pode o ter de alguns converter-se na obstaculização ao ter dos demais, robustecendo o poder dos primeiros, com o qual esmagam os segundos, na sua escassez de poder”. (Paulo Freire)

Abaixo posto o samba-enredo da escola de samba Leandro de Itaquera, que, em seus tempos áureos (1999), homenageou o nosso grande mestre ficando em 5º lugar: “Educação um salto para a liberdade: ‘Paulo Freire’”.