terça-feira, 10 de maio de 2011

Como pensar a cultura nacional numa sociedade de origem colonial?





Um dos pontos polêmicos quando discutimos desenvolvimento socioeconômico refere-se aos aspectos culturais do mesmo. Este aspecto se torna mais problemático quando tratamos das especificidades da formação étnico-cultural de países periféricos, cuja formação social se deu a partir de influencias de povos tão distintos, conforme muito debatido por Darcy Ribeiro.
Outro ponto relevante nesta discussão é o caráter desta formação social. Diferentemente de outros países, de cuja formação sociocultural tem origem milenar, no caso brasileiro, a organização social e econômica estabelecida desde o período da colonização sempre esteve voltada para a satisfação de interesses externos, exógenos às necessidades da população em geral. A grande propriedade e a superexploração de caráter escravista voltada para a realização de grandes negócios mercantis impediu que se constituísse uma sociedade pautada por “nexos morais”. Estas características irão, por sua vez, se arrastar por séculos até os dias atuais, conformando uma sociedade desmembrada, injusta e ultra desigual.
Mas, contraditoriamente, é o próprio desenvolvimento quantitativo desta economia, subordinada aos limites impostos pelas ralações socioeconômicas externas, que vai criando condições objetivas para o surgimento de uma outra sociedade. Caio Prado Jr ao analisar a “linha mestra” dos acontecimentos da nossa história, dizia que o Brasil era uma espécie de sociedade “híbrida”, em transformação, de difícil definição. Para resolver este dilema, o mesmo apontava que o mesmo estaria num processo de “longa transição do Brasil Colônia de ontem para o Brasil Nação de amanhã”. Assim, para defender tal “tese”, o mesmo aponta algumas transformações qualitativas no decorrer dos fatos históricos: a) independência (ainda que formal) política; b) abolição da escravidão; c) constituição (ainda que de forma relativamente incipiente) de um mercado interno; d) constituição de um substrato social interno, em função da integração entre diversos grupos étnicos de origens diferenciados.
Mas como para Caio Prado Jr, uma Nação significa uma certa organização politica, social e econômica construída por uma sociedade, e voltada para atender às necessidades de todos os membros constituintes da mesma, o Brasil precisaria superar dois principais entraves para conseguir constituir-se de fato como Nação: a) superar a dependência externa, voltando completamente sua economia para a satisfação das necessidades de sua população; b) eliminar a profunda desigualdade social, a superexploração, que fratura a sociedade em dois grandes blocos sociais desconexos.
Para piorar o problema, com o avanço da industrialização pesada nos anos 50 e com a implementação da ditadura militar em 1964, não apenas Caio Prado, mas autores como Florestan Fernandes e Celso Furtado passam a deixar de acreditar na capacidade das classes dominantes em serem os agentes desta transformação. Par Fernandes, o golpe de 1964 teria sido a finalização da “Revolução Burguesa” brasileira, cujo caráter anti-social, anti-democrático e anti-nacional foram os elementos específicos de um tipo especifico de capitalismo: o capitalismo dependente.   
Destro destes marcos, como entender a cultura brasileira? Podemos chamá-la de cultura nacional sendo que para estes grandes autores nem somos ainda uma nação?
Trata-se de uma questão de difícil resposta, com diversas formas de encaminhamento. Primeiramente, é inegável a diversidade cultural da sociedade brasileira. É inegável também o elevado grau de miscigenação do nosso povo. Mas diferentemente de abordagens “ufanistas”, a nossa formação histórica não pode ser vista como heroica, e neste sentido, a interação cultural nesta sociedade foi muito mais contraditória do que parece, e o próprio processo de miscigenação se deu de forma coercitiva e opressiva. Do ponto de vista da diversidade cultural, o aspecto mais impressionante deste processo é que, numa sociedade cujos elementos de sua formação se originaram, em boa parte, de influências externas, as próprias formas de manifestações culturais se apropriaram de diversas características exógenas. Isto dará um caráter novo a esta sociedade que surge. É neste sentido que Darcy Ribeiro afirmará que teria surgido um novo povo, constituído no confronto e na fusão, povo este misturado, com traços sincréticos e simbólicos singulares.
Podemos, portanto, definir esta cultura particular criada e recriada no Brasil como Nacional? Caso seguirmos os três primeiros autores acima, certamente diríamos que não. No máximo diríamos que a sociedade brasileira teria criado as bases de uma cultura nacional, mas que ela não teria se desenvolvido até o seu fim, visto que teria também se fundamentada em estruturas societárias muito injustas e desiguais. Ademais, quando analisamos mais de perto estas manifestações culturais, notamos que em sua grande maioria, elas são oriundas das classes mais pobres e miseráveis da nossa sociedade. Portanto, podemos dizer que a cultura brasileira, apesar de não ser efetivamente nacional no sentido exposto anteriormente, é genuinamente popular. Assim, esta cultura pode ser vista como expressão contraditória das múltiplas relações humanas desta sociedade, que hora reproduz e hora problematiza (direta ou indiretamente) os dilemas vividos pelo nosso povo em geral.
Nos dias de hoje, contudo, esta discussão se torna ainda mais complexa. Num contexto de internacionalização econômica, social e cultural em função do processo de globalização, e com a consolidação de uma indústria cultural de massa altamente influente e ancorada pelos poderosos meios de comunicação, tanto a influencia cultural externa deixa de ter seu papel positivo (em função da imposição direta e indireta, de cima para baixo, de certos padrões de vida e de consumo), quanto a própria arte produzida internamente fica completamente submetida aos ditames mercantis da moda. Ademais, esta mesma cultura popular passa a ser apropriada por agentes que alienados dos espaços de sua manifestação, transformam o seu significado, apoiados hora por critérios “políticos” (manutenção e reprodução do poder e da desigualdade), hora por critérios econômicos.
Portanto, nos marcos atuais, a reversão neocolonial não se circunscreve a aspectos estritamente econômicos. Ela cerca e submete todas a relações humanas, inclusive as artístico-culturais. E como não serão as classes dominantes que farão a “Revolução Nacional”, a própria origem da “Cultura verdadeiramente Nacional” será a Popular, a de Resistência, que aliada às necessidades e vontades da sua população, contribuirá para o surgimento de uma nova sociedade, de uma “Nação”.

“Viva o Samba, Viva a Cultura Popular !!!!”

(Texto dedicado a alma deTomás / IE Unicamp)

Abaixo ponho um samba de João Bosco e Aldir Blanc, chamado “Nação”, gravado por Clara Nunes.

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