segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O SAMBA SAIU DE MODA





Por Sérgio Cabral  (Pai)
MÚSICA NAQUELA BASE
(Pasquim, nº 4, 1969)

Há uns sete ou oito anos atrás, os estudantes descobriram os sambistas mais populares e promoveram vários shows com a participação deles. Aí virou moda convidá-los pra tudo que é festinha. Madame queria reunir os amigos e chamava Nelson Cavaquinho. Fulano de tal convidava Cartola e o deputado nordestino chamava Zé Keti, João do Vale, e Ismael Silva.
    Os crioulos cantavam para os grã-finos, que achavam tudo muito bacana porque pagavam somente uísque e salgadinhos, dinheiro não. Só numa pequena fase da vida nacional é que eles viram um pouco de dinheiro no Zicartola, em alguns shows e no teatro. E voltaram para os seus morros e para os seus subúrbios porque a grã-finada e a classe média da Zona Sul se encheram deles, uns chatos!
Saíram de moda os talentosos crioulos, mas que fim eles levaram? Vejamos.
    Cartola – Atualmente, é porteiro do gabinete do ministro da Indústria e do Comércio, das oito da manhã à uma da tarde. O fundador da gloriosa Estação Primeira de Mangueira saiu há pouco tempo de um problema financeiro muito desagradável, conseqüência ainda do Zicartola, que andou lotado durante muito tempo mas depois andou às moscas, os seus freqüentadores, certa época, trocaram o Zicartola pelo Castelinho. Não tinha nada a ver uma coisa com outra, mas o pessoal queria mesmo era badalar. O Zicartola deixou para o velho Cartola uma dívida de mais ou menos dois milhões de cruzeiros velhos que foi paga, primeiramente, graças ao seu samba. Tive sim, finalista da Bienal do Samba da TV-Record. Depois, o Teatro Opinião promoveu um espetáculo em seu benefício que lhe rendeu também alguma grana. Cartola, que estava morando em Bento Ribeiro, mudou-se novamente para o seu Morro da Mangueira, longe do qual jamais a sua  mulher, a excelente cozinheira e pastora da escola, jamais conseguiu morar. Cartola não tem aparecido em show nenhum. Canta de vez em quando para os seus amigos mangueirenses, entre os quais o velho Carlos Cachaça, amigo e parceiro.
    Zé Keti – sempre irritou alguns dos seus “protetores” porque nunca foi humilde como aquelas pessoas sempre desejaram que fossem os sambistas: “Este crioulo é muito metido à besta”, dizem. Nunca perdoaram Zé Keti porque ele se vira muito bem, aproveita as oportunidades, catitua suas músicas, faz enfim como fazem todos os compositores. Por isso, quando ele viu que este negócio de samba não estava dando muito pé, arranjou um contrato com a TV-Excelsior, de São Paulo, como ator de novela por três milhões de cruzeiros velhos, por mês, o que também irrita muita gente, aquele moleque ganhando três milhões por mês, vejam só! Noutro dia, ele participou de um programa da TV-Tupi de São Paulo, no qual submeteu um dos seus sambas a um júri que o repeliu com a maior violência. “Este samba está superado, ainda fala em Vila Isabel”, foi a sentença da comissão julgadora, afinal de contas, tão imbecil quanto é toda estrutura comercial da música popular brasileira atualmente.
    Nelson Cavaquinho – Não ficou nem um pouquinho abalado com as idas e vindas da moda. Quem quiser encontrá-lo é só procurá-lo nos mesmos lugares que freqüentava há 20 anos, os botequins da Lapa, da Praça Tiradentes e da Avenida Marechal Floriano. Faz sambas tão bonitos quanto os que fazia na época em que era convidado para os saraus da grã-finada. Só que agora os canta para o seu velho público, os freqüentadores dos botecos da vida, as prostitutas, os malandros. A sua sorte foi ter arranjado uma casa na Vila Kennedy, dando um pouco de tranqüilidade para a sua mulher, pois o Nélson não é exatamente o melhor chefe de família da Terra. Se alguém quiser contratá-lo para um show pode fazê-lo sem susto, porque Nelson Cavaquinho não bebe quando tem trabalho. Fora disso, porém, continua representando uns 500 brasileiros no consumo per capita de bebida.
    João do Vale – Vive mais ou menos como Nelson Cavaquinho, só que um tanto quanto abalado pelas variações que a vida lhe ofereceu. Freqüenta um boteco na esquina da Avenida Marechal Floriano com Miguel Couto e pode ser encontrado também na União Brasileira dos Compositores. Continua morando no subúrbio de Deodoro. Recentemente, ele recebeu os direitos autorais de Carcará pelo mundo. E tem coisas assim: Ncr$ 0,80 da Inglaterra... Ncr$ 1,20 da França, Ncr$  0,25 do Japão, Ncr$ 0,77 dos Estados Unidos e outros. Resultado: Ncr$ 22,00 no mundo inteiro por este sucesso internacional. Agora, ele está com uma música inscrita no Festival Internacional da Canção (letra de Artur José Poerner), realmente muito boa, e que deverá ser classificada caso a comissão de seleção tenha a cabeça no lugar.
    Ismael Silva – está com sessenta e poucos anos e mora numa pensão na Av. Gomes Freire. A última vez que participou de um espetáculo público foi no Samba Pede Passagem, em 1966. Agora, está tomando as últimas providências para obter uma aposentadoria pelo Instituto Nacional da Previdência Social, através do Sindicato dos Compositores. Continua compondo e teve um samba classificado no concurso de carnaval de São Paulo. 
    Martinho da Vila – Apareceu agora. Oxalá os tempos sejam outros.

COMO DIZIA O POETA:
“ONDE ESTÃO OS CRIOULOS DE ANTANHO?”


copiado a partir de O PASQUIM, Antologia, Volume I (1969-1971)
Organização: Jaguar e Sérgio Augusto
Editora Desiderata – Rio de Janeiro
2006

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Samba e os Movimentos Sociais




Como muitos sabem, o samba, enquanto uma manifestação cultural e artística urbana, teve uma origem muito conturbada. Oriunda das classes populares, menos abastadas, pobres, numa sociedade machista, racista, conservadora e elitista, o samba passou por inúmeras formas de preconceito, sendo assimilado como uma arte vulgar, manifestada por pessoas sem valor, sem moral, malandros, aproveitadores. São muitas as histórias que relatam a truculência da policia frente aos sambistas. Estes últimos eram espancados, tinham seus instrumentos apreendidos, eram presos e desmoralizados socialmente. Como forma de fugir desta onda de perseguições, os sambistas foram obrigados manifestar sua arte de forma escondida, em terreiros, ou no fundo das casas de algumas pessoas que os acolhiam, como no caso da Tia Ciata, figura emblemática da história do samba.
Porém, em meados dos anos 30 as coisas começam a mudar. Oriundo de muita resistência e dentro da perspectiva do nacionalismo que então passa a influenciar as visões politicas da época, o samba passa a ser o carro-chefe da unidade cultural que os donos do poder (sob o comando de Getúlio Vargas) tentam impor a todo o território brasileiro. O samba, oriundo de nosso povo e de nossa terra, passa a ser cantado em verso e proza, e os sambistas de maior destaque passam a ser conhecidos. Neste momento, a indústria musical, fonográfica, dá seus primeiros passos, mas já passa a ter capacidade de ditar as modas do momento.
Com a intensificação da industrialização e das empresas transnacionais dos anos 50, por sua vez, o Brasil em geral, e sua cultural especificamente, passa a receber influências externas de forma ainda muito mais significativa, especialmente dos Estados Unidos, através de um processo de imposição cultural, que mistura monopólio dos meios de comunicação com interesses politico-econômico. O controle daquilo que é bom e ruim culturalmente, daquilo que será moda cultural, passa a estar envolvido numa trama de interesses que deixa de estabelecer qualquer relação com o espaço geográfico nacional. Agora, não há mais nem um interesse de unidade “nacional”, mas antes, o interesse do lucro. Acreditamos que este processo se desenrola até os dias atuais.

Mas o que o samba e os sambistas têm a ver com isso? Apesar do samba ter se tornado uma manifestação artística que abarca toda a população, criando um imaginário de unidade “nacional”, o fato é que aqueles que o inventaram, organizaram, desenvolveram, e ainda o manifestam, vivem em condições precárias: os pobres, excluídos e oprimidos.
Não só no Brasil, mas em toda América Latina (pra não dizer em todos os países dependentes e subdesenvolvidos), notou-se um processo de externalização da cultura popular, frente a sua população. Explicando melhor, enquanto a cultura popular (no nosso caso, o samba), passa a ser um instrumento que, idealmente, une todos dentro de uma perspectiva nacional, coletiva, mas, na prática, é usada como mais um mecanismo de realização de lucros exorbitantes, o povo, seu criador, continua vivendo sem condições dignas de vida, sem educação de qualidade, sem saúde e transporte públicos, sem moradia. Sofrem dia a dia um processo de superexploração, aumentando as desigualdades e injustiças que se acumulam.
 E é por isso que todos que “fazem samba”, esta cultura genuinamente popular, devem vê-lo como de resistência. Como uma arte do povo e para o povo. Ele deve servir aos interesses de sua população e com ela denunciar as injustiças e desigualdades. Ele deve, portanto, associar-se aos movimentos sociais, aqueles que de fato lutam por justiça e igualdade, seja do morro ou da cidade.

Pois tudo vai mudar, no “dia em que o morro descer e não for carnaval”.
“Somos todos Pinheirinho !!!”

Abaixo exponho o samba de Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro: “O dia em que o Morro descer e não for carnval”



Texto em homenagem aos lutadores e lutadoras expulsos de forma truculenta do Pinheirinho  (São José dos Campos - SP)