Como
muitos sabem, o samba, enquanto uma manifestação cultural e artística urbana,
teve uma origem muito conturbada. Oriunda das classes populares, menos
abastadas, pobres, numa sociedade machista, racista, conservadora e elitista, o samba
passou por inúmeras formas de preconceito, sendo assimilado como uma arte
vulgar, manifestada por pessoas sem valor, sem moral, malandros,
aproveitadores. São muitas as histórias que relatam a truculência da policia
frente aos sambistas. Estes últimos eram espancados, tinham seus instrumentos
apreendidos, eram presos e desmoralizados socialmente. Como forma de fugir desta
onda de perseguições, os sambistas foram obrigados manifestar sua arte de forma
escondida, em terreiros, ou no fundo das casas de algumas pessoas que os
acolhiam, como no caso da Tia Ciata, figura emblemática da história do samba.
Porém,
em meados dos anos 30 as coisas começam a mudar. Oriundo de muita resistência e
dentro da perspectiva do nacionalismo que então passa a influenciar as visões
politicas da época, o samba passa a ser o carro-chefe da unidade cultural que
os donos do poder (sob o comando de Getúlio Vargas) tentam impor a todo o território
brasileiro. O samba, oriundo de nosso povo e de nossa terra, passa a ser
cantado em verso e proza, e os sambistas de maior destaque passam a ser
conhecidos. Neste momento, a indústria musical, fonográfica, dá seus primeiros
passos, mas já passa a ter capacidade de ditar as modas do momento.
Com
a intensificação da industrialização e das empresas transnacionais dos anos 50,
por sua vez, o Brasil em geral, e sua cultural especificamente, passa a receber
influências externas de forma ainda muito mais significativa, especialmente dos
Estados Unidos, através de um processo de imposição cultural, que mistura
monopólio dos meios de comunicação com interesses politico-econômico. O
controle daquilo que é bom e ruim culturalmente, daquilo que será moda
cultural, passa a estar envolvido numa trama de interesses que deixa de
estabelecer qualquer relação com o espaço geográfico nacional. Agora, não há mais
nem um interesse de unidade “nacional”, mas antes, o interesse do lucro.
Acreditamos que este processo se desenrola até os dias atuais.
Mas
o que o samba e os sambistas têm a ver com isso? Apesar do samba ter se tornado
uma manifestação artística que abarca toda a população, criando um imaginário
de unidade “nacional”, o fato é que aqueles que o inventaram, organizaram,
desenvolveram, e ainda o manifestam, vivem em condições precárias: os pobres,
excluídos e oprimidos.
Não
só no Brasil, mas em toda América Latina (pra não dizer em todos os países
dependentes e subdesenvolvidos), notou-se um processo de externalização da
cultura popular, frente a sua população. Explicando melhor, enquanto a cultura
popular (no nosso caso, o samba), passa a ser um instrumento que, idealmente,
une todos dentro de uma perspectiva nacional, coletiva, mas, na prática, é
usada como mais um mecanismo de realização de lucros exorbitantes, o povo, seu
criador, continua vivendo sem condições dignas de vida, sem educação de
qualidade, sem saúde e transporte públicos, sem moradia. Sofrem dia a dia um
processo de superexploração, aumentando as desigualdades e injustiças que se
acumulam.
E é por isso que todos que “fazem samba”, esta
cultura genuinamente popular, devem vê-lo como de resistência. Como uma arte do
povo e para o povo. Ele deve servir aos interesses de sua população e com ela
denunciar as injustiças e desigualdades. Ele deve, portanto, associar-se aos
movimentos sociais, aqueles que de fato lutam por justiça e igualdade, seja do
morro ou da cidade.
Pois
tudo vai mudar, no “dia em que o morro
descer e não for carnaval”.
“Somos todos Pinheirinho !!!”
Abaixo exponho o samba de Wilson das Neves e Paulo César Pinheiro: “O dia em que o Morro descer e não for carnval”
Texto em homenagem aos lutadores e lutadoras expulsos de forma truculenta do Pinheirinho (São José dos Campos - SP)
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